Vinicius

Boêmio, carioca, galante, inteligente, poeta, músico, pessoa que vivia e viveu a vida, grande entendedor do tempo e seus dizeres, homem de fato completo, que fazia completar.
Vinicius de Moraes pra mim mostrou o lado simples da vida e em como os sentimentos assim o são ou assim deviam ser. Se não simples ao menos passíveis de sentir... sentir sem entender ou entendendo..
Vinicius teve várias esposas, nem sei quantas, mas a questão é que todas deviam ter sido muito felizes enquanto com ele estavam, pois ele sim entendia o que uma mulher é, sente, pensa, sonha e almeja na sua maior complexidade, quisá foi o homem que chegou mais perto disso ou o que mais tentou entender...
Mas acho que entender não era o que Vinicius queria, ele queria mesmo era sentir, sentir o que tivesse que sentir, viver o tivesse de ser vivido, até que fosse eterno, até que acabasse, até que não tivesse mais brilho, até que se tornasse uma linda e alentadora lembrança.
Pra matar um pouco da saudade aí vão dois poemas que eu gosto muito.
Agonia
No teu grande corpo branco depois eu fiquei.
Tinha os olhos lívidos e tive medo.
Já não havia sombra em ti – eras como um grande deserto de areia
Onde eu houvesse tombado após uma longa caminhada sem noites.
Na minha angústia eu buscava a paisagem calma
Que me havias dado tanto tempo
Mas tudo era estéril e mostruoso e sem vida
E teus seios eram dunas desfeitas pelo vendaval que passara.
Eu estremecia agonizando e procurava me erguer
Mas teu ventre era como areia movediça para os meus dedos.
Procurei ficar imóvel e orar, mas fui me afogando em ti mesma
Desaparecendo no teu ser disperso que se contraía como a voragem.
Depois foi o sono, o escuro, a morte.
Quando despertei era claro e eu tinha brotado novamente
Vinha cheio do pavor das tuas entranhas.
Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
**Antologia Poética - MORAES, Vinicius de - Rio de Janeiro . (2ª ed. aumentada, Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960); Editora A Noite .1954











